sábado, 31 de janeiro de 2009

Pequeno ensaio sobre o esquecimento


Eu hoje resolvi me esvaziar de seus restos. Respirei fundo algumas vezes até me convencer dessa necessidade absurda. Não foi uma nem duas vezes, foram várias inspirações e expirações. Para esvaziar-se é preciso antes se encher. Caminhei até mim mesma, dei várias voltas em meus silêncios e constatei. Seu tempo em mim acabou. Achei estranho não ter lágrimas a oferecer-lhe, nem poemas melancólicos como de costume. Não é de meu feitio sair assim, como quem nunca entrou. No entanto quando senti todas minhas vestes ultrapassadas, toda a maquiagem ridícula, veio-me uma vontade tão grande de gargalhar que preferi me calar. Se eu pudesse prever como seria uma despedida, se eu conseguisse decifrar seus sinais, talvez tivesse palavras exatas e contundentes para lhe deixar como recordação. Mas elas teriam que ser palavras novas, talvez inventadas. Palavras que mexessem com sua porção mais íntima do cérebro a fim de conferir-lhes algum sentido. Mas não encontrei nenhuma que fosse síntese desses anos, por isso repousei o fone no gancho antes que a ligação se concluísse. Saio como quem nunca entrou, de fato, acreditando ser esse o segredo de algum amor próprio, de uma faísca de dignidade a alguém que se retira silenciosamente antes de ser percebido. Os seus rastros na casa, seu cheiro insistente nos meus cabelos, e até sua risada enigmática, precisei atirar tudo ao fogo. Desinfetar-me parece um processo doloroso e talvez me custe algum tempo. Mas hoje decidi que sua voz já não tem efeito sobre mim e que seu silêncio é só silêncio. E na verdade, olhando-o assim de fora, com olhar de quem já recupera algum sentido, você me parece uma figura indefinida de um volume de enciclopédia e eu procuro qualquer legenda que me ajude a compreendê-lo como de fato jamais compreendi. Desprendi-me da urgência de escrevê-lo e nem busco mais suas referências bibliográficas gastas e forjadas. E, agora, no fim desse meu ressurgimento nem posso mais denominar com certeza sua imagem. Assusto-me. Saio pé ante pé da área minúscula do seu domínio, que me parece tão estranha que chega a me sufocar, fecho a porta silenciosamente e ganho uma outra dimensão. O ar que faltava nos pulmões há muito tempo arde em meu interior. Respirar é uma antiga novidade que agora apreendo. Expiro tudo o que pode ainda ser de você e num sorriso largo decreto-lhe, enfim, um ponto final. De volta ao meu próprio tempo, recomeço por outra trilha. Até as nuvens carregadas com seus trovões soam mais suaves quando não se tem mais medo de chuva.

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