terça-feira, 23 de novembro de 2010

Desinvenção

No início era o caos,
e surgi-me do avesso.
Sinteticamente infinita,
inexata e desmetrificada.

De partes espalhadas,
desconexas, incongruentes
formaram-se os passos,
pensamentos e labirintos.

E do caos, fez-se mais caos
desdobrando-me em versos.
Linhas imperfeitas e teimosas
desenharam-me por dentro e por fora
quando eu fui sem nome.

Então sugaram o caos e inventaram um muro.
E depois a calmaria, o silêncio, o vazio. O nada.

Sobre uma dor

Se dessa dor invisível,
calada e definitiva
surgissem metáforas
e saltasse poesia

Seria ela talvez menos dor.

E enfeitada de cores
flores e rimas,
E disfarçada de um encanto
quase sutil

Nem dor mais seria.

Despida enfim do silêncio
talvez fosse
mais reticente
e menos definitiva.

Intransponível



Trago nos olhos sombras
intransponíveis
feitas de silêncio e voz.
.
Elas me são empurradas garganta abaixo
e me arranham por dentro
com gosto de sal e saliva.
.
Por isso não encontras minha alma
não lês minhas linhas
nem entendes que não sou segredo
nem mistério.
.
É até alcançares meus restos impenetráveis,
teus pés já terão se cansado de poeiras e pedras
espalhadas em meus cantos.

sábado, 17 de abril de 2010

Congelamento

Inverno
esculpindo na parede
um contorno antigo
e frio.

Em silêncio
agulhas
do tempo

Penetram
o coração.

Esquecimento.


(Clayton Pires e Cris)

A um poeta

Dessa tua loucura travessa
nascem tons que nem se sabiam,
colorem teu chão cor-de-vida e refletem
pedras íntimas de tropeços e passos.

Nos traços feitos do que só se imagina
explodem pedaços de sóis, jardins e mares.
Tecem-se vidas e lembranças fugidias
que o tempo espalha, mas que voltam.

E os retalhos do mundo que esboçam tuas faces
nem sabem dizer se vais como homem ou menino,
Porque revelar-se e não o fazer, de verso em verso,
é próprio da tua essência livre e transparente.

Tua liberdade é uma louca que tem olhos de criança
e alma virgem que vai parindo poesia.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

desconstrução de mim

a luz o tempo o efeito
a vertigem a viagem
o vazio o chão o copo
o som o gosto a clave
o sarcasmo o espelho
o silêncio a voltagem
o caco o sexo o álcool
o soluço o céu a volta
o gozo o suor o resto
o traço o agudo a dor
o antipsicótico a voz
o grito a culpa a fuga
o sangue a veia a cor
a orgia o faro o denso
o complexo o veneno
o clichê o vício a gota
o corte o fio o reflexo
o desnexo o contrário
o espasmo o profundo
o ácido o lixo o prolixo
o surto o vago o medo
o sábado o transtorno
o marasmo a metáfora
a língua a queda o falo
a boca a fome o pedaço
o palavrão o desespero
o autodesprendimento
o descaso o asco o caos

o ciclo psicossomático
o ciclo pluriorgástico
o ciclo desmistificado
o ciclo contraditório
de começo meio e abismo.

não estou pra ninguém

não quero palavras fáticas socializadas
nem essas convenções que me cansam
horários datas notícias horóscopo café
deveres jornais e saudações ensaiadas
não quero muros latas de lixo nem lixo
ou ruas com suas esquinas e palavrões
nem o belo pintado refeito e disfarçado
nem o sujo apodrecido chocante e vivo
passos marcados pés saladas de rostos
ternos minissaias bocas pernas bundas
mais rápidos mais tensos e mais loucos
nem os loucos os exóticos e os perdidos
não quero ver poros transpirando vida.

hoje eu vou me trancar e fazer turismo em minha concha
e só saio quando meu temporal estiver vestido de arco-íris.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

passional

passo a passo
passo
a
passo

Coração acelerado.
Um grito seco no ar gelado da madrugada.

A lua derrama seu branco na calçada tingida de vermelho paixão.

Em silêncio
a cidade dorme.