sábado, 31 de janeiro de 2009

Sobre minha solidão

Os finais de semana marcados por minhas pernas estendidas estrategicamente sobre o braço do sofá, enquanto a TV fala sozinha, tem me dado uma outra dimensão de filosofia.
Há tempos estar sozinha não me parece tão agradável. Na verdade, desde a minha conturbada adolescência, quando saboreava crises depressivas, solidão não me apetece tanto. Claro que da minha solidão de quase 15 para meu estado de solidão caminhando para os 30, há uma infinita distância. Já não me tranco no quarto, deitada no chão, enquanto me embebedo de Led Zeppelin divagando sobre alguma escadaria para o céu. Nem passo horas rabiscando meus planos para a vida adulta, pois – quem diria?- aqui estou eu. Minha solidão hoje é tão mais sóbria, tranquila e um tanto quanto suave até em minhas doses de nostalgia. Olhando para a TV sem compreender bem o que se passa lá dentro, vou refazendo mentalmente a trilha conhecida dos colegas de escola: Esse: casado; aquele: casado; aquela: divorciada, casada pela segunda vez; essa: feliz, casada, três filhas; esse: (opa, esse era aquele com quem eu iria me casar para ser feliz para sempre) casado – e não é comigo... Notícias de casamentos, descasamentos e partos agora me pegam sozinha, sempre seguida da pergunta que já não me parece nada embaraçosa “e você, quando casa?” Nem ao menos sinto qualquer necessidade de explicar sobre os caminhos tortuosos que a vida me fez passar até aqui. Talvez alguns eventos sobre mim soassem muito contraditórios com esse quase sorriso na minha expressão descansada, e nem eu poderia explicar. E no meio dessas minhas recordações, hipóteses e situações que ainda invento, perco-me lentamente em comerciais de produtos que provavelmente nunca usarei. O cansaço da semana parece pesar e já sinto uma região adormecida nas pernas, o que nada me incomoda. Tento restabelecer o contato com a realidade, e em um movimento um pouco mais brusco com a cabeça, expulso meus demônios envelhecidos para gozar mais do meu estado contemplativo da solidão. Rio de mim mesma ao consultar o relógio. Embora não tenha nenhum compromisso sinto-me atrasada. E como se estivesse analisando cada movimento meu, levanto-me, apago a TV e a escuridão e o silêncio me penetram. Ultimamente meus fantasmas andam me ditando até os meus horários. Com o olhar vago que nem chega a denunciar nenhum estado interior, recolho-me a mim e adormeço outra vez sozinha, depois de mais uma xícara de café.

Pequeno ensaio sobre o esquecimento


Eu hoje resolvi me esvaziar de seus restos. Respirei fundo algumas vezes até me convencer dessa necessidade absurda. Não foi uma nem duas vezes, foram várias inspirações e expirações. Para esvaziar-se é preciso antes se encher. Caminhei até mim mesma, dei várias voltas em meus silêncios e constatei. Seu tempo em mim acabou. Achei estranho não ter lágrimas a oferecer-lhe, nem poemas melancólicos como de costume. Não é de meu feitio sair assim, como quem nunca entrou. No entanto quando senti todas minhas vestes ultrapassadas, toda a maquiagem ridícula, veio-me uma vontade tão grande de gargalhar que preferi me calar. Se eu pudesse prever como seria uma despedida, se eu conseguisse decifrar seus sinais, talvez tivesse palavras exatas e contundentes para lhe deixar como recordação. Mas elas teriam que ser palavras novas, talvez inventadas. Palavras que mexessem com sua porção mais íntima do cérebro a fim de conferir-lhes algum sentido. Mas não encontrei nenhuma que fosse síntese desses anos, por isso repousei o fone no gancho antes que a ligação se concluísse. Saio como quem nunca entrou, de fato, acreditando ser esse o segredo de algum amor próprio, de uma faísca de dignidade a alguém que se retira silenciosamente antes de ser percebido. Os seus rastros na casa, seu cheiro insistente nos meus cabelos, e até sua risada enigmática, precisei atirar tudo ao fogo. Desinfetar-me parece um processo doloroso e talvez me custe algum tempo. Mas hoje decidi que sua voz já não tem efeito sobre mim e que seu silêncio é só silêncio. E na verdade, olhando-o assim de fora, com olhar de quem já recupera algum sentido, você me parece uma figura indefinida de um volume de enciclopédia e eu procuro qualquer legenda que me ajude a compreendê-lo como de fato jamais compreendi. Desprendi-me da urgência de escrevê-lo e nem busco mais suas referências bibliográficas gastas e forjadas. E, agora, no fim desse meu ressurgimento nem posso mais denominar com certeza sua imagem. Assusto-me. Saio pé ante pé da área minúscula do seu domínio, que me parece tão estranha que chega a me sufocar, fecho a porta silenciosamente e ganho uma outra dimensão. O ar que faltava nos pulmões há muito tempo arde em meu interior. Respirar é uma antiga novidade que agora apreendo. Expiro tudo o que pode ainda ser de você e num sorriso largo decreto-lhe, enfim, um ponto final. De volta ao meu próprio tempo, recomeço por outra trilha. Até as nuvens carregadas com seus trovões soam mais suaves quando não se tem mais medo de chuva.

domingo, 25 de janeiro de 2009

do meu silêncio

Meu silêncio é vazio
e não significa nada além de mim.

Se contemplo a trajetória displicente
do voo de uma mosca,
não há nisso qualquer filosofia
nem tentativa desenfreada de transformar,
o que existe e se acaba por si mesmo,
em tipo de metáfora escondida.

Portanto não me incomode
com o que hei de concluir
quando meus olhos piscarem
e qualquer suspiro sozinho
interromper meu estado.

Meu silêncio é apenas silêncio.
Puro e despretensioso.

E o olhar vago e distante não vê na mosca
outra coisa senão mosca.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Desamando

A tarde quente e anuviada
é síntese quase perfeita
do amor interminável por ti.

Sufoca-me
devora-me
intriga-me.

Então
caem do céu algumas gotas geladas
que aliviam-me a febre
da infecção que me causas.

Junto com a tarde morrendo
vejo-me distante
anoitecer
refrescantemente
enquanto tento em vão
recordar teu nome.

E a chaga de tua presença abandona meu corpo desperto e a alma aliviada.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Desatino

Vagam por lugar nenhum
meus olhos consumidos por loucura e solidão.

Pousam sobre o branco vazio da parede
e lá ficam,
rascunhando palavras inexistentes
e versos aborrecidos
sobre quem sou
ou quem nunca fui.

Fecho os olhos,
torno a abri-los, em desatino.

De poema fraco e fingido,
volto a ser só pálida imagem
talhada no porta-retrato.
Dói.

Embriago-me de uma doce insanidade
que me engole.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ano Novo


Amanheço sem ter adormecido.
Nem assim contive o tempo.

Em um segundo
o que era já não é,
e nem sei em que dia meu calendário parou.

É ano novo
e esse gosto de trovão e calor
torna tudo igual.

Ao longe os ruídos que sugerem festa
me chegam patéticos.

Vagarosamente vou me despindo de vestes e maquiagem
e me deito
envelhecidamente,
tentando desembaraçar os sons do ano passado.