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Fim de madrugada
Vazia e silenciosa....
Ponteiros se arrastam.
Teu olhar parado
desenhado em branco e preto
encerra a madrugada.
Percorre o contorno da janela
abafa o ruído do relógio
destrói ensaios de sono
e volta
imponente
como fantasma que preenche o quarto.
Feito de um silêncio grave
te imagino som suave
e sem voz, e sem cor
te ouço
calado.
preciso de ar.
mais ar do que cabe em meus pulmões
cansados ressecados vazios
mas sobrou alguma palavra
mal dita
não dita
desdita
parada em minha traqueia.
Meu peito está dormente
os olhos umedecidos
a alma descorada
o dia todo é um pôr-de-sol
que já vem durando dias
e explode no olhar vago
como se pressentisse
uma despedida.
EU NUNCA TIVE MEDO DA MORTE...
... nem quando ela andou me rondando, ora lasciva, sedutora, ora criança crescida que estendia os braços em minha direção me chamando para brincar. Ela era cheia de risinhos e escárnios, às vezes nem expressão ela tinha. Mas como me atraía aquele olhar vazio e solitário pedindo companhia. Me hipnotizava. Por mais de uma vez joguei com ela, ficamos frente a frente, ela não conseguia nem transmitir confiança com seu feitio esquálido e mudo e muito menos metia medo.
Mas agora, vendo-a assim, aproximando-se lentamente, sorrateiramente, sem risos nem escárnios, só uma face sisuda e desconfortável de alguém que mudou tanto a ponto de não ser reconhecido de imediato, agora que ela passa por mim fingindo não me conhecer e nem faz questão de me olhar, agora ela me faz estremecer.
A morte mudou sua feição. Amadureceu. Tem jeito de quem não está para brincadeira. Virou coisa séria. Ora avança, ora recua, mas na maioria das vezes permanece estática, observando, como se esperasse o momento ideal. Algumas vezes eu consigo até sentir seu cheiro, ou sua respiração. A morte respira lenta e profundamente, quase um suspiro. Ela anda pela casa como se fizesse parte das paredes ou dos móveis. Conhece cada um dos cômodos, os quartos, tenho mesmo a impressão de que nos conhece a todos.
Eu não a conhecia, eu não a esperava. Uma desconhecida caminhando pela casa e deixando seus suspiros pesados no corredor. Não me procura nem tem mais olhos solitários. Instalou-se e seu olhar é de espera e paciência. E insiste em ficar.
Lembro-me de quando eu não tinha medo da morte, ao meu lado sempre pareceu-me inofensiva. E ainda agora se tivesse voltado não como uma estranha, mas como aquela com quem cheguei a me acostumar, minha alma não se inquietaria.
Mas dessa morte, íntima de casa, que não me ronda, não me mira, e que não está para brincadeira, ah... dessa morte, eu tenho medo.
A manhã chegou com cheiros e cores
de outono
decidido e debochado
invadindo a janela.
A quinta-feira derramando
sol e frio
no meu quintal.